terça-feira, 19 de abril de 2011

De Centro da Criação Universal a Suburbanos da Galáxia - Uma Odisséia Científica de 400 anos

Do século I da nossa era até o final do século XV preponderou no Ocidente, entre a elite que tinha acesso a alguma instrução, uma visão de mundo engenhosa, proposta pelo astrônomo grego Cláudio Ptolomeu no seu Almagesto (baseado na cosmologia aristotélica), apresentando um sistema de mundo geocêntrico (situando a Terra no centro do Universo), sistema que foi adotado como o respaldo, digamos científico, de alguns dogmas da Igreja Católica de então, que acrescentou ao modelo uma visão antropocêntrica, ou seja, a de que a Humanidade terrestre é a criação central e única de Deus, tornando-se assim a teoria cosmogônica oficial daquela época.

Cabe observar que esta teoria representava um avanço científico formidável em relação a uma outra visão de mundo mais precária, que coexistia com o modelo  geocêntrico e que perdurou até o final da Idade Média, de uma Terra plana, circundada por uma abobada celeste sólida que separava as águas inferiores das águas superiores, como sugere a gravura da época apresentada acima.

Realmente, observando-se o céu a olho nu (sem o auxílio de outros recursos), temos mesmo a sensação, embora ilusória, de que a Terra é plana e é o centro do Universo, e que todos os objetos do céu, inclusive o Sol e a Lua, giram em torno dela. E, mais do que a Terra, se não tivermos um pouco de humildade vamos acabar achando que nós é que somos o centro de tudo, uma vez que os nossos sentidos "nos dizem" que tudo está a nossa volta.

Mas, observando o céu detalhadamente, vamos descobrir uns poucos astros que também giram em torno da Terra, no chamado Movimento Diurno da Abóbada Celeste (o movimento relativo dos astros em torno da Terra), mas que, ao longo de um ano variam progressivamente a sua posição no céu, ora avançando, ora recuando, e que, em função desse movimento diferenciado, foram chamados pelos antigos de estrelas errantes, sendo mais tarde reconhecidos como os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Foi a partir da observação da posição deles com mais precisão que as coisas começaram a mudar.

Assim, a partir do século XV, com o avanço da Renascença na Europa começaram a aparecer "rachaduras" neste sistema, culminando com a publicação da obra De Revolutionibus Orbium Coelestium ("Da Revolução de Esferas Celestes"), do cônego, astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico que, a partir de observação das efemérides (posições astronômicas diárias) do Sol e dos planetas (as tais estrelas errantes), verificou que as posições observadas não se encaixavam no modelo geocêntrico de Ptolomeu, mas que, colocando-se o Sol no centro do sistema e a Lua como satélite da Terra, os dados observacionais coincidiam quase que exatamente com este novo modelo.

A sua teoria, chamada Heliocentrismo, é tida hoje como uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da Astronomia moderna. Restrita a um reduzidíssimo núcleo de pensadores e estudiosos, não provocou nenhum alarde e por isso não constituiu em si uma ameaça ao status quo da elite dominante.

A situação muda de figura no início do Século XVI com a entrada em cena do físico, matemático, astrônomo e filósofo pisanês Galileu Galilei que, a partir da adaptação da luneta récem inventada por um ótico holandês, cria o telescópio e passa a observar em detalhes os astros no céu, em particular o Sol (descobrindo e estudando as suas manchas), a Lua (descobrindo o seu relevo e depressões, que chamou de mares), e o Planeta Júpiter, descobrindo quatro dos seus satélites (Io, Europa, Calisto e Ganimedes), hoje chamados de satélites galileanos em sua homenagem. Toda essa avalanche de novos conhecimentos e evidências derrubou definitivamente a crença no sistema geocêntrico, até porque também afirmava que os astros do céu seriam esferas perfeitas, sem qualquer mácula, o que foi peremptoriamente refutado pela observação, que expôs as irregularidades do Sol, da Lua e dos demais planetas, inclusive com a presença de satélites.

Com a divulgação das suas espetaculares descobertas não só para os estudiosos,  mas também para as massas, e com a publicação do opúsculo "O Mensageiro das Estrelas" a Igreja, agora sim, se sente ameaçada pelo desmoronamento do alicerce ptolomaico em que se sustentavam parte dos seus dogmas e instaura um processo no temido Tribunal da Santa Inquisição que termina com a condenação do ilustre cientista, que tem que negar publicamente o que havia descoberto.

Mas, mesmo com a reação eclesiástica, nunca mais a nossa visão de mundo seria a mesma, pois nós, definitivamente, já não podíamos em sã consciência considerar o nosso planeta como o centro do Universo, embora ainda nos sentíssemos como o centro da criação.

Nos séculos XVII e XVIII, com o avanço da tecnologia de construção dos telescópios, descobrimos que o Sol também não era o centro do Universo,  e que, afora isso, existiam milhões de outras estrelas maiores e mais brilhantes do que ele.

No início do Século XX, com a construção do gigantesco telescópio de Monte Palomar na Califórnia as  nossas crenças foram mais uma vez testadas com a descoberta do astrônomo Edwin Hubble de que a Via-Láctea é apenas uma entre milhões de outras galáxias e de que o Universo estava se expandindo.

No início dos anos 60, com a descoberta acidental da radiação cósmica de fundo, que vem a ser o resíduo, o eco, dos eventos ocorridos nos primórdios do nosso Universo, combinada com a axpansão verificada anteriormente por Hubble, confirma-se então a teoria  do Big Bang, que, mais recentemente levou a outras teorias que consideram seriamente a possibilidade de que o nosso Universo seja apenas um Universo-Bolha entre infinitos outros universos.

Realmente, é de perder o folêgo: até o Século XVI éramos o centro da criação universal! Com Copérnico e Galileu perdemos a nossa centralidade para o Sol que, pouco tempo depois, é desbancado por bilhões de outras estrelas que constituem a nossa galáxia, a Via-Láctea, que por sua vez, no Século XX passa a dividir o seu espaço com centenas de milhões de outras, às vezes muito maiores, em um Universo que, suspeita-se, seria uma bolha em expansão em meio a infinitas outras bolhas que poderiam conter universos muito, muito diferentes do nosso.


Mesmo na Via-Láctea não nos encontramos no centro; ao contrário, estamos na periferia, nos subúrbios da nossa cidade estelar (vide o círculo vermelho no mapa da galáxia). Graças a Deus, pois hoje sabemos que no centro da nossa galáxia encontra-se um gigantesco buraco negro, verdadeiro devorador de tudo o que existe em volta, inclusive a luz. Estamos em um braço distante da galáxia, acolhedor, pacato e rarefeito, relativamente protegidos dos eventos cataclísmicos que ocorrem no populoso núcleo.

Cá entre nós: como é bom ser suburbano! 

Toda esta análise pode ser resumida na animação a seguir, produzida pela NASA, intitulada "O Tamanho Comparativo das Estrelas":


 No próximo post iremos discutir a questão da nossa visão antropocêntrica: Estamos sozinhos no Universo?

Até lá!